segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

GUERILLA RELOAD

Ativou o dispositivo de interferência pelo telefone celular ao mesmo tempo em que a iluminação da Avenida Paulista foi desligada pela equipe de apoio. A ameaça de bomba no metrô serviu para distrair a polícia enquanto sete membros da Legião passavam pelas câmeras desligadas da portaria da TV em direção às antenas da emissora. Convocariam a população para tomar de volta tudo aquilo que foi comprado pela Corporação, principalmente a própria vida.

Depois da privatização das policias locais virar moda entre os administradores ultra liberais, os próprios exércitos nacionais passaram a ser geridos por empresas privadas. Uma vez que controlou esse ramo de negócios, a Corporação aumentou sua ambição e promoveu golpe bem sucedido, primeiro nos Estados Unidos. Seguindo o efeito de demonstração, outros países viraram regiões dominados por empresas privadas.

"Nada nos deixa com medo", disse Kilma para o pequeno grupo tático reunido em frente ao edifício da emissora universal de sinais, "porque para nós só existe o futuro". Foi escolhida para liderar essa ação porque sempre arruma um jeito de sair das confusões e porque achavam que ela ficaria bem na TV. Era loira, alta, de grossos dreds na cabeça, com alguns implantes luminosos no contorno do rosto e olhos embranquecidos, ou seja, além de bela transparecia força e vontade, fundamental para manter audiência.

Kilma era filha de pais outrora ricos que perderam tudo que tinham já no início da grande crise econômica que pôs fim ao liberalismo. Quando veio a guerra não tiveram muitas condições para resistir e ela assistiu seus últimos parentes serem vítimas da grande seca que veio logo após a bancarrota dos americanos. Comandava a equipe de infiltração depois de quatro anos na clandestinidade imposta pelo golpe militar com o qual a Corporação assumiu o poder.

A equipe de infiltração contava com dois batedores, responsáveis pela proteção do grupo, mais um virtualista, que comandava a parte informacional e técnica da missão e um destravador, que abria todos os portões, senhas e códigos que encontrava. Esse agrupamento era responsável pela defesa e pela viabilização da passagem até o objetivo. Além desses quatro, mais um visualizador, que fazia a cobertura do fluxo informacional do entorno e um especialista próprio para cada missão (nesse caso, um especialista em multimídia de propagação viral), além de Kilma.

Levavam armas (não letais) modernas, mas que não se comparavam com o poder de fogo (letal) das "equipes de dissuasão" da Corporação. Os quatro da contenção traziam um armamento mais pesado, com granadas de paralisação e um grande canhão de luz sólida, além de disruptores sônicos e alarmes de presença ligados a lançadores de adesivo ultra forte. Todos os outros tinham um fuzil sônico e uma pistola de transmissão elétrica, armas leves e eficazes, pois não obstante a demora na recarga da primeira e a falta de precisão da segunda funcionavam bem em conjunto, em geral com tiros elétricos difusos enquanto se aguarda o diapasão do rifle sônico encher, o que certamente irá "desligar" o cérebro do inimigo.

Os disruptores neurais (ou sônicos) eram uma das armas preferidas dos rebeldes, pela sua precisão e eficiência, além do fato de não serem letais. Disparavam uma onda sonora subsônica, que atingia vários alvos simultaneamente, “desligando” temporariamente o sistema nervoso central. Seu único defeito era que, a cada dez tiros curtos ou três longos, a arma precisava de um período de recarga.

O primeiro andar é um grande hall de formato quadrado, com quatro portas de entrada, de pé direito bastante alto, ladeado por inúmeras colunas retangulares, estreitas e cumpridas. Nas laterais, entre uma coluna e outra tem um elevador, somando mais de trinta elevadores de cada lado do hall. No fundo um grande balcão, que tomava quase toda a extensão do fundo da sala, e de cada lado desse balcão uma porta que leva à área de trabalho do prédio, com algumas salas e escritório e uma saída para a escada de incêndio.

Os dois da contenção assumiram seus postos em cada uma das portas de entrada da ponta, plantando um escudo elétrico em cada uma das portas, além de espalharem algumas armadilhas pelo caminho. Os outros dois que ficariam no pátio, o virtualista e o destravador, postaram-se junto dos escudos e armaram o canhão de luz (arma que gera um campo sólido de fótons que atinge o inimigo na velocidade da luz) no modo automático, e depois seus disruptores sônicos.

A primeira dupla pretendia conseguir o mínimo de proteção para poderem os segundos começar um tiroteio com as granadas de paralisação e rajadas de plasma refletido. Com esse barulho todo, um pouco de sorte e a costumeira incompetência das forças oficiais, poderiam conectar todos os membros nas redes internas e abrir as passagens necessárias para que a missão pudesse completar-se.

Os demais adiantavam-se em direção à porta do fundo do lado esquerdo, que daria acesso em sua respectiva área de serviço à uma sala da segurança com conexão aos sistemas de segurança. O plano era trocar para elevadores determinados em andares sortidos, acima e abaixo, estando todos os demais elevadores indo para andares aleatórios. Isso em uma torre com 60 elevadores e mais de cem andares confunde bastante se não se pode rastrear os elevadores.

Os crachás falsos serviram para passar pela portaria, mas logo os disruptores sônicos tiveram que ser usados para derrubar os guardas que se mantinham fiéis à Corporação. Em um momento de leve distração quase foi atingida por uma rajada de projéteis perfurantes, quando percebeu de relance sua  imagem refletida no capacete do policial caído no caminho. Aos olhos do policial, foi como um anjo da morte encarnado em uma beldade de dreds loiros, olhos azuis, que corria em direção às escadas enquanto aguardava sua arma recarregar.

Do outro lado da avenida, um pouco mais à frente do Parque Trianon, uma pequena multidão se reunia, rezando de forma frenética pela alma dos animais mortos em experimentos científicos ou usados como batedores em guerras tribais. Vestidos todos de branco e com os rostos tatuados, mantinham as tradições de auto imolação e amputação, mesmo proibidas pelo governo da Corporação. Aliás, o que não era proibido pela Corporação? Alekei pensava enquanto via os religiosos correndo da repressão enquanto alguns eram destroçados pelas rajadas magnéticas da polícia.

Os membros da equipe de Kilma sabiam que morreriam assim que a Corporação despachasse o armamento pesado e enfrentaram bravamente os planadores de assalto com seus mísseis de atomização e a equipe de ajustamento de conduta com suas carabinas de plasma. Os sacerdotes e convertidos da Igreja ecológica da revelação digital também sabiam que seriam igualmente reprimidos e chacinados, ainda com mais vigor do que agora. Mesmo os milhares de pessoas que só estavam passando por ali estavam todas com muito medo da Corporação.

Assim que as equipes sociais se aproximaram do prédio o cântico dos sacerdotes virtuais se avolumou, tensos de terror. Foi em um misto de êxtase religioso, entre cantos e imolações, e a proximidade do massacre do outro lado da rua, que um sacerdote, outrora Baalaor, percebeu o que estava para acontecer. Pode assistir, bem próximo, o primeiro disparo de projéteis de urânio, perfurantes e radioativos, descrevendo um arco luminoso até arrebentarem em luz, som e violência, destroçando a parede do prédio.

O visualizador deu o aviso da aproximação das equipes de dissuasão que começaram a estalar como estrelas em sua tela e correu para a janela. Começou a disparar do vigésimo quarto andar, acertando as primeiras bombas neurológicas no meio da infantaria que avançava protegida pelos blindados. O virtualista então conseguiu concluir a conexão, destravou as portas do caminho de Kilma e acessou os controles dos veículos blindados para convencimento  em massa travando seus sistemas de propulsão aérea, atrasando sua chegada e evitando o combate direto contra eles. De cada ponta da sala os batedores disparavam seus canhões derrubando soldados e veículos aéreos leves. Esperavam que esse barulho todo conseguisse permitir que o virtualista viabilizasse a chegada de Kilma e o especialista na torre, para divulgarem a palavra em missão de marketing ideológico.

Depois de derrubarem os dois batedores com tiros de canhões de plasma, derretendo-os, lançaram cargas eletromagnéticas que desestabilizaram o virtualista e o visualizador, tornando-os alvos fáceis de abater no avanço dos agentes de ordem e controle com suas carabinas biológicas. O prédio já estava, nesse momento, cercado de forças de controle social. O destravador caiu poucos segundos depois dos quatro primeiros, tão logo abriu a grande porta de íons que protegia a aérea alvo.

Na rua, aquele que foi Baalaor é atingido nas costas mas pouco se importa, pois aquele ferimento era, para ele, como um sinal da revelação de seu destino. Quando a equipe de assalto invadiu o prédio, outro grupo de agentes de controle social avançou para abrir um perímetro de segurança, derrubando os transeuntes e também a reunião dos sacerdotes virtuais. Junto com a elevação dos cânticos que os sacerdotes dedicavam aos circuitos binários primários foi que Alekei, que passava na rua naquele momento, cidadão paulistano, devidamente registrado e marcado com seu código exclusivo de acompanhamento individual, teve que começar a correr para se defender naquela confusão. 

Alekei pode ouvir reverberar o ar com a mensagem que Kilma fez correr pelos ares e redes, instantes antes dela estourar a própria cabeça ao ver que seria irreparavelmente presa. Se fosse presa seria então, como todos os prisioneiros violentos, propriedade da Corporação, e seria retalhada para testes medicinais e científicos após horas de tortura. Preferiu, quando percebeu os sacerdotes de alguma forma envolvidos naqueles eventos, sacrificar seu corpo à divindade digital para preservar seu profile.

A mensagem falava da Fênix, de queimar para expurgar os males, era a mensagem de Kilma, amor e genocídio como valor e método. Os sacerdotes avançaram sacando armas brancas de reverberação, usando seus implantes biônicos de força para esmagar seus alvos, os agentes de controle, saltando para dentro dos planadores, entrando no metrô, derrubando os guardas e entoando orações contra o domínio da Corporação. Alekei sentiu muito medo e, mesmo assim, entrou no prédio, no movimento.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

DECIFRA-ME OU DEVORO-TE


Perdemo-nos na estrada mas encontraremos nossos caminhos. Estrada de terra, carros atolados, discussões complexas. Caminhada com o povo, perigosas curvas, veredas vivas. Pensamentos de quina, sinuca em uma mesa esburacada como a periferia da Zona Leste de São Paulo. Estratégias, algoritmos, mapas - o mundo não é cartesiano, e a verdade está no movimento, no rio que corre, na criança que nasce, na humanidade que merece justiça e paz. A caminhada do exemplo, companheiro de armas, sonhos e amores, nos levará adiante, tanto mais longe quanto mais gente, até sermos todos e ser tudo nosso. E se não for a gente toma!

(por ocasião da reunião de planejamento do mandato democrático e popular Toninho Vespoli vereador)