quarta-feira, 3 de setembro de 2014

O monge na cidade

O monge limpou o chão, arrumou suas vestes e sentou-se, em posição de meditação, e ali ficou por muitos milhares de anos. Permaneceu sentado, imóvel, sobre a mesma pedra na beirada do vale do rio grande, enquanto crescia em seu redor a enormidade da cidade, multiplicadora de pessoas e objetos despossuídos de sentido ou alma. Quanto maior a multidão solitária que o cercava, mais indistinto tornava-se, vibrando em tal frequência que seus limites físicos e espirituais atenuaram-se, tal que dissolvia sua presença como sal de frutas no copo d´água. Nesse instante, compreendeu todas as coisas do mundo, e sabia do futuro de todos os seres, mesmo dos que ainda não nasceram, ainda que nada pudesse dizer, pois a única coisa que esquecera foi a capacidade de falar, o que é diferente do domínio da linguagem. Voltava-se para dentro, como um enorme lago onde mergulhasse, e dali podia ver com mais detalhes o rastro dos movimentos das pessoas, o que havia de escondido em cada olhar, as meias palavras e as perversões mais íntimas. E ainda assim era o mesmo monge, mesmo que muito tempo se passasse, mesmo que em meio à muita gente se misturasse. E era esse mesmo monge quem observava a cidade que subia e os homens que passavam, mesmo que ele fosse apenas um outro entre tantos.