segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Bailando


Para Mônica, em nome dos bailarinos

Antes de dançar, voava
O pai perguntou: onde anda sua cabeça?
Não sabia ao certo, mas sabia que isso não importava
Pois seus pés tocavam as estrelas
e o coração roçava o infinito

Por voos mais belos, a dança
Ser mais leve que o ar e mais pesado que o chumbo
Até derreter o palco, virar-nos em vida.

Ser projétil, puta e anjo é mais do que ser bailarina.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Lésbicas

para a amante de minhas mulheres

Gosto de suas curvas
                Peitos, bundas e cinturas
Gosto mesmo do encaixe
                Palmas, clavículas, odores
Mais ainda de penetrar
                Suores, sussurros, segredos
E, claro, de meter
                Bem fundo, bem forte
Meu amor e meu carinho,
                No teu útero, na tua vida.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Sinestesia


Explode o sentido das palavras
quando sorrindo me agride,
procissão solitária de encantos.
O choro se torna azul, o sol vegetariano
o céu obtuso e as mesas adocicadas.
Derreto e escorro lenta, pesadamente
seguindo a eterna corrente das coisas
e a própria poesia se desfaz
como um copo plástico ao fogo.

Amo-te como a um objeto perfeito
rigorosamente esférico e translúcido
preparado desde o Gênesis
por um matemático, um alquimista
um poeta, um louco, uma puta.
Isento de arestas, de porosidades, de falhas.
Só amor, simplesmente.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Unicórnio Azul


Com Ceci

Afasto-me de ti, como Ulisses
Só pra que minha saudade fique maior
me consuma e me renove

Então, monto em meu unicórnio
azul de esperança, arisco de liberdade
E saio a buscar o mito de sua figura

Quando acabarei  com a falta
beijarei minha única heroína
e me entupirei de cores e paixão



terça-feira, 16 de agosto de 2011

Mulher amarela

Não só para Chagall

A metáfora incomum
a mágica beleza plástica
pura e forte
Ascendência russa, áurea, lívia
O deslumbre total no que se vê
E, ainda mais, no que esconde.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Lâminas árabes

Sua língua é morena como uma cimitarra.
Me despedaça, desde os idos de Moisés,
em Êxodo: desde o Holocausto.

Na espessura da lâmina,
o peso dos séculos se coloca.
No seu desenho, Lúcifer se reflete.
Um brilho vermelho se põe, logo,
como no crepúsculo ensangüentado,
como se meu peito estivesse escancarado.

Na profundidade do teu corpo,
do teu sexo pagão e sacrossanto,
nenhum peso se impõe. Minha mão,
acaricia com força tuas costas.
Ainda que não saibas, não me escapas.
A lâmina é polida, e nela vejo, de soslaio,
nós nos amando. A imagem se foi?

Hefesto forjou a espada, com ossos,
fervendo-os em sangue humano.
Assim, a morte persegue a lâmina,
como a sombra persegue o dia,
e o silêncio, a poesia. Mas ainda falamos,
e vivemos. E eu ainda amo...

Seu cabo é azul, com detalhes em verde.
É de boa empunhadura, firme,
justa como cintura de menina.
Menina que, por sua vez, lembra uma formiga,
pela força colossal e pela exatidão matemática.
(a espada, a menina e a formiga:
o poder, a beleza e a labuta,
a poesia, a poesia, e a poesia).

Mosaicos eternos enfeitam a arma branca,
em traçados opressores que a controlam.
Na forma feminina, tua força e tua beleza.
Tua cintura, fina, tem um rebolado doce,
quando corta o ar em direção a um corpo,
como quadris sutis que estraçalham corações,
enquanto dançam passos já esquecidos.

Na ponta o bico de uma ave de rapina,
pois o peso dos séculos a envergou,
em forma elegante e fatal: o brilho da precisão.
Nessa ponta, o anseio do beijo,
e o medo da solidão. Não da morte.

Eu não existo!
Todos os meus antepassados foram retalhados
pela cimitarra que os acariciava,
ao som de cânticos sagrados e inumanos.
No ritual, perdeu-se toda a serenidade,
e atiramo-nos então em orgias intermináveis.

A espada é de carne, e assim é doce.
Mas corta,
afiada e exata,
imensos rios de sangue, de vida.

Não há cicratizes para se esquecer...

terça-feira, 2 de agosto de 2011

A BOCA (OU DA BELEZA SINGELA DE UM LÁBIO DE MULHER)

I

É das partes a mais erótica,
e das imagens a mais sensual.
No tato é a mais sensível,
porque
é a parte mais vermelha,
a que mais se expõe,
já que é meio único de comunicação
(confiável).

Ainda que nada seja, que falte,
e que o que seja seja branco.
Na falta, é a delicadeza,
porque
só a falta nunca ofende:
- ela não existe.
... e a alvura corrosiva das palavras ressoa
(no marfim).

Mas, mesmo que de marfim seja,
duro, e afiado – espada – é lustrada.
Na aspereza, tem sua força,
porque
só com força se aguenta
alguma verdade:
talvez com desespero, talvez com poesia
(desesperada).

quinta-feira, 28 de julho de 2011

O HOMEM QUE SÓ TINHA FUTURO

O auditório lotado exalava a alegria da cerimônia de colação de grau. A cerimônia era a metáfora de uma porta, início de uma longa estrada, sendo que os graduandos estavam na grande sala oval antes da porta que agora atravessariam. Completando um ciclo, um rito de iniciação marca a abertura da porta, pois o rito consiste nos procedimentos necessários para a entrega da chave. Quando seu nome foi chamado percebeu em um lampejo que já estava na estrada, e não conseguia enxergar porta alguma, pois ele era um homem que só tinha futuro.
Recebeu o diploma com absoluta indolência e, orador da turma, dirigiu-se à tribuna: "Escolhi seguir a carreira de administração, pois nessa área é preciso ter, dizem, visão de futuro. E nada poderia ser melhor para mim, pois sou um homem que só tem o futuro. Talvez não compreendam ao certo o que quero dizer, e mesmo considerem algo abobado ou impossível o que vou lhes confidenciar. Mas, antes que pensem que eu estou usando de algum sofisma ou metáfora, quero dizer que minha afirmação, por mais absurda que pareça, deve ser encarada ao pé da letra.
"Claro que isso é impossível fisicamente, ainda que alguns experimentos quânticos sugiram alterações no fluxo do tempo, simultaneidade de eventos, chegando a considerar uma condição na qual o tempo ainda não existia, tal que a pergunta sobre o que antecedeu a origem não tem resposta. Só que não é disso que eu quero falar, ainda que a posição do observador influencie o objeto.
"Quero falar do futuro como única realidade válida para mim: nenhuma realização, todos os projetos; nenhuma mágoa, somente procura; nenhum prazer, toda sabedoria. Ao receber o diploma eu nada realizei, apenas abri outras oportunidades para seguir caminhando. Perco a liberdade por não ter presente enquanto ganho a plenitude por ser só esperança. O caminho apresentado, seguro e preparado, com suas etapas fixadas e seu calçamento calcificado, não está bem sinalizado: no passado mora a enganação.
"O futuro é o primogênito do nada: sem ele não haveria sentido para as coisas. Toda razão está no passado, todo raciocínio no presente: no futuro mora o sentido. O futuro é uma casa sempre distante. Não importa o quanto você ande, nunca alcançará a casa. Mas não se deve desistir – a derrota é o castelo do presente, tão alta que vira passado. As dificuldades podem ser imensas, mas sempre há um modo de alcançar o futuro: no futuro toca uma música que atrai até os mais céticos. Trata-se de compreender que entre o aqui e o futuro há uma distância a ser percorrida e não um tempo que vai passar: o tempo é só uma sequência de instantes.
Tudo ainda vai acontecer, e só sei conjugar os verbos no futuro – não como um profeta, mas como uma criança. Essa condição seria, talvez, um pouco angustiante, pela falta de referência e pela perda da experiência, mas ao invés de lamentá-la só sei ver as expectativas. Assim como a infância, quando o futuro é um campo sem caminhos traçados coberto pelo fresco orvalho da manhã. Talvez exista a maturidade, mas só o sábio dirá que sempre há mais algo a aprender".
Desceu do púlpito e, antes do olhar de estranhamento e reprovação virar o crescente murmúrio que quase desandou em briga, ausentou-se do ambiente de forma tão imprevista como o tom de divagação de seu discurso alcançou os ouvidos dos presentes. O momento de suspensão do comum – a cerimônia que servia como justificativa para que todos seguissem o caminho já dado que as pesadas mãos do passado ergueram como estradas romanas – depois da confissão pública que fizera, apareceu como um grande teatro, grande arena, cujos alicerces apodreceram, e nenhum engenheiro mais consegue explicar a escolha dos materiais.
Sua vida, somente futuro, impedia a compreensão normal do mundo, pois no início era o verbo (e ele não conhecia os princípios), e só o verbo se entende; impedia também sua presença nos acontecimentos (o presente lhe era estranho), e todos seus pensamentos se ancoram no futuro, sem moral e sem juízes, sem tradições e sem fatos para serem julgados. Saiu do prédio e uma infinidade de opções lhe apareceu no mesmo golpe de vista, como que um instante longamente estendido, e percebeu que já estava caminhando, e que sempre e só estivera caminhando, e que simplesmente seguia os caminhos.

terça-feira, 19 de julho de 2011

Testamento de um rato

Todos os adjetivos, juntos, não bastam
para descrever, da metamorfose, a feição,
sem anestesia, sangrada em meu coração,
despedaçado, pela culpa da destituição.

A língua, em outros tempos, lasciva,
corroída, pela pútrida violência, cala,
pois o poeta, conturbado, é que fala
ser indigno de qualquer confiança.

Por isso, rato, mesmo que reproduza,
a forma, asquerosa e medrosa: pêlos
negros e disformes, como o caráter
do que pede clemência, ao esplendor;

rato, contudo, não é metáfora ideal,
pois os pobres animais, além de não
possuírem culpa ou sordidez, guardam,
subterrâneos, o respeito e a nobreza:

Na sua fealdade, parecem com o mal,
os rotos do mundo; no terror, indistinto,
a perseguí-los, são como os famintos.
Ora, de um rato, podemos ter certeza.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Corsário na praia

Em frente ao mar, olho para o horizonte e reflito.
Sopra a maresia e minhas lembranças se condensam
Formam-se mais imagens em minha mente que nas retinas
Verdíssimas montanhas, plenas de mata, delimitam a praia
Insinuam-se sobre minhas memórias expandindo-as
Banhistas reais confundem-se com antigas paixões
Ondas de pensamentos se movimentam ao ritmo da maré
Enquanto molho os pés em águas carregadas de tempo

A imensidão do oceano estende-se à minha frente
Próximos de mim se divertem homens, mulheres e crianças
Singrando sobre conchas, peixes, algas e náufragos
No meu íntimo também há um imenso oceano
Com sua população de algas, peixes e angústias
Onde brincam sentimentos e afogam-se vontades
Enquanto a natureza demonstra enormes verdades

A luz do sol, no crepúsculo, incide na vida como um milagre
Colorindo de violeta os desejos e refletindo na água
Caminho para frente e sou benzido pelo sal marinho
Enquanto retorno a reminiscências do tempo de corsário
Todavia as ondas insistem em apontar-me a areia
Onde a beleza do sorriso de meu amor me guarda

Espero que ele possa servir de acalanto. Para todos, para tudo.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Toleima e Tolima

Toleima é sinônimo de tolice. Lembrei-me dessa palavra, meio arcaica, que só vi sendo usada por João Guimarães Rosa, pensando no time colombiano que o Corinthians enfrentará hoje, o Tolima. Não é qualquer tutaméia o jogo de que se trata (tutaméia é o título de um livro do mesmo escritor, e significa coisa pequena, sem importância, bobagem). Pelo contrário, depois de um sofrido empate aqui em São Paulo, onde o time jogou um futebol apático e insuficiente, a partida de volta assume contornos épicos, como só a literatura ou o futebol podem oferecer à humanidade.
O Corinthians conta com uma boa equipe, liderada por Ronaldo, espécie de herói que parece ter feito algum trato com o diabo, que lhe trouxe enorme habilidade e, sobretudo, imensa capacidade de superação. É a maior esperança de uma nação de religiosos, como foram aqueles que viveram em Canudos. O Tolima conta, por sua vez, com a força dos índios colombianos e com a fraqueza dos últimos resultados do Corinthians. Tem um bom centro avante, Wilder Medina, mas em geral um time mediano. Só que jogará em casa, em um gramado (ruim, por sinal) que já foi cemitério. Como as veredas mortas. Futebol é quase literatura.
Depois do centenário onde nada conquistou, uma derrota precoce na Libertadores, tão esperada pela Fiel, seria uma verdadeira tragédia, como a morte de Diadorim. A vitória, de sua parte, significaria o início da travessia. Time pra tanto o Corinthians tem. Só falta agora deixar de toleima e jogar bola. Não que a zebra esteja ausente – o sertão está em todas as partes. Para vencer, não basta um time bem montado e figuras de renome. É preciso colocar o coração na ponta da chuteira e enfrentar Hermógenes. Como canta a torcida, tem que jogar com raça e com coração, pois é o time do povo, o coringão. Literatura, meu senhor, é quase futebol.