segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Lâminas árabes

Sua língua é morena como uma cimitarra.
Me despedaça, desde os idos de Moisés,
em Êxodo: desde o Holocausto.

Na espessura da lâmina,
o peso dos séculos se coloca.
No seu desenho, Lúcifer se reflete.
Um brilho vermelho se põe, logo,
como no crepúsculo ensangüentado,
como se meu peito estivesse escancarado.

Na profundidade do teu corpo,
do teu sexo pagão e sacrossanto,
nenhum peso se impõe. Minha mão,
acaricia com força tuas costas.
Ainda que não saibas, não me escapas.
A lâmina é polida, e nela vejo, de soslaio,
nós nos amando. A imagem se foi?

Hefesto forjou a espada, com ossos,
fervendo-os em sangue humano.
Assim, a morte persegue a lâmina,
como a sombra persegue o dia,
e o silêncio, a poesia. Mas ainda falamos,
e vivemos. E eu ainda amo...

Seu cabo é azul, com detalhes em verde.
É de boa empunhadura, firme,
justa como cintura de menina.
Menina que, por sua vez, lembra uma formiga,
pela força colossal e pela exatidão matemática.
(a espada, a menina e a formiga:
o poder, a beleza e a labuta,
a poesia, a poesia, e a poesia).

Mosaicos eternos enfeitam a arma branca,
em traçados opressores que a controlam.
Na forma feminina, tua força e tua beleza.
Tua cintura, fina, tem um rebolado doce,
quando corta o ar em direção a um corpo,
como quadris sutis que estraçalham corações,
enquanto dançam passos já esquecidos.

Na ponta o bico de uma ave de rapina,
pois o peso dos séculos a envergou,
em forma elegante e fatal: o brilho da precisão.
Nessa ponta, o anseio do beijo,
e o medo da solidão. Não da morte.

Eu não existo!
Todos os meus antepassados foram retalhados
pela cimitarra que os acariciava,
ao som de cânticos sagrados e inumanos.
No ritual, perdeu-se toda a serenidade,
e atiramo-nos então em orgias intermináveis.

A espada é de carne, e assim é doce.
Mas corta,
afiada e exata,
imensos rios de sangue, de vida.

Não há cicratizes para se esquecer...

2 comentários:

  1. fantástico, vc sempre escreveu mto bem!!!

    ResponderExcluir
  2. "Mas naquela noite que eu chamei você fodia, fodia." (Crua, do Otto)

    ResponderExcluir