O monge limpou o chão, arrumou suas vestes e sentou-se, em
posição de meditação, e ali ficou por muitos milhares de anos. Permaneceu
sentado, imóvel, sobre a mesma pedra na beirada do vale do rio grande, enquanto
crescia em seu redor a enormidade da cidade, multiplicadora de pessoas e
objetos despossuídos de sentido ou alma. Quanto maior a multidão solitária que
o cercava, mais indistinto tornava-se, vibrando em tal frequência que seus
limites físicos e espirituais atenuaram-se, tal que dissolvia sua presença como
sal de frutas no copo d´água. Nesse instante, compreendeu todas as coisas do
mundo, e sabia do futuro de todos os seres, mesmo dos que ainda não nasceram, ainda
que nada pudesse dizer, pois a única coisa que esquecera foi a capacidade de
falar, o que é diferente do domínio da linguagem. Voltava-se para dentro, como
um enorme lago onde mergulhasse, e dali podia ver com mais detalhes o rastro
dos movimentos das pessoas, o que havia de escondido em cada olhar, as meias
palavras e as perversões mais íntimas. E ainda assim era o mesmo monge, mesmo
que muito tempo se passasse, mesmo que em meio à muita gente se misturasse. E
era esse mesmo monge quem observava a cidade que subia e os homens que
passavam, mesmo que ele fosse apenas um outro entre tantos.