quarta-feira, 12 de outubro de 2016

BIANCA

O entregador chegou na porta do prédio e entrou sem mais. Um corredor ladeado por armários da instalação elétrica, uma escada com meia dúzia de degraus e no fundo uma senhora oriental, sisuda e de cabeça raspada, sentada em um banquinho com uma pequena mesa à frente. Não tinha interfone no prédio e perguntou para ela da pessoa que procurava: nome completo e número do apartamento. A senhora olhou com descaso e um certo estranhamento, e com um movimento de cabeça indicou, com os olhos, um cartaz na parede de trás, onde oferecia-se massagem erótica, garotas e acompanhantes, e outras putarias mais. Tudo baratinho.


Perguntou novamente da moça que procurava, agora fazendo cara de quem já entendeu o que acontecia, mas que precisava falar com ela mesmo assim. Emendou a pergunta, repetindo o apartamento, pra confirmar se a moça trabalhava ali ou se o apartamento que procurava era casa de família. Outra vez a resposta, com os olhos, já dizia que não estava entendendo nada. Meu filho, aqui só tem puta. Não tem nenhuma família aqui não, tudo vagabunda, explicou com uma delicadeza de avó. Seguiu plantado em frente à senhora, reafirmando, com os olhos, que queria falar com a moça, sendo ela puta ou o que fosse. A senhora entendeu, levantou, e mostrou a escada, alertando o elevador estar quebrado e o apartamento ser no quinto andar. Tudo com uma má vontade incrível.


Subiu as escadas, com a senhora à frente, e entre um cliente e outro que descia, via com o rabo dos olhos os corredores de apartamentos, todos eles com alguma coisa pendurada na porta, alguns com a porta aberta. As meninas olhavam e convidavam, com o corpo e com os dedos, em um sussurro forçado que se pretendia sexy. Algumas moças realmente eram belas, outras interessantes, mas a maioria a vida tinha estragado demais. E era muito degrau para conseguir se preocupar com convite de puta.


Chegou cansado ao quinto andar, mas não queria demonstrar que estava cansado, muito menos que estava mais cansado do que a senhora que o conduzia, de quem na verdade teve é que correr atrás. Enquanto recuperava o ar, a senhora já batia na porta e chamava pelo nome da pessoa que o entregador procurava. Foi ele quem percebeu o bilhete na porta dizendo: estamos atendendo no apartamento tal, no terceiro andar. Apontou o bilhete para a senhora que leu, resmungou algo e se colocou descendo a escada. E ele foi correndo atrás dela, sem que ela precisasse olhar.


Já próximo do corredor dos apartamentos do terceiro andar começou a ouvir a bagunça: voz fina de mulher gritando fino, voz grossa de homem dando ordem, e a voz aveludada do cantor brega no rádio de caixas já meio afônicas e rachadas. Nem precisou perguntar onde era, já viu a festa pela porta entreaberta e foi se encaminhando, sempre atrás da senhora que comandava os caminhos do edifício.


Mesmo a porta não estando exatamente fechada, e estar uma balbúrdia dentro do apartamento, a senhora seguiu o mesmo protocolo da antes batendo na porta e chamando pelo nome a moça que estava sendo procurada. Uma das primas abriu a porta e lá dentro era um filme de pornochanchada, com mulheres de todos os jeitos de peitos de fora e homens de cueca ou com o pau para fora mesmo. Eram todos negros, e percebeu que eram africanos pela língua estranha que falavam. O ambiente estava preenchido de fumaça de cigarro e com a música alta que ressoava pelos copos cheios e latas com bitucas.


O entregador se apresentou e perguntou pela moça. Explicou que era importante, que tinha a ver com o filho dela. A mulherada se comoveu, veio mais umas duas, de peito de fora mesmo, ver se podiam ajudar. Os caras foram tranquilos também, mesmo não entendendo bem o que se passava. Disseram se conhecer apenas pelo nome de guerra, e mesmo querendo ajudar tinham medo de se envolver em problemas dos outros. Mas logo identificaram a pessoa, e afirmaram com a convicção de quem não tem nada com isso que ela não trabalhava mais naquele local.


Qual o seu nome?, perguntou o entregador. Quis saber porque, e ficou muito, mas muito desconfiada. Já não bastava ter dado a informação, e ter dito que mal conhecia e que não sabia onde se escondia? O entregador sorriu, fez cara de sonso, e falou que precisava colocar o nome de quem atendeu, de quem deu a informação. Pediu por favor, com os olhos. Uma menina de trás, bonitinha, sorriu pra ele. Pode por Bianca. Ele agradeceu, sorrindo e olhando. Somos todas Bianca por aqui, todas nós do prédio.

(Guardou bem o número pra voltar depois, no almoço ou depois do trampo. Ficou apaixonado pelo sorriso e pelos olhos da Bianca, daquela Bianca tão bonitinha.)



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